NOTÍCIAS
Em tribunais do país, a cultura difunde e preserva a memória negra
01 DE DEZEMBRO DE 2023
Exemplos de pessoas negras que inspiram a superação de dificuldades ganham espaço em iniciativas de tribunais para o resgate de personagens históricos e para destacar os esforços de pessoas anônimas, que ainda hoje, 135 anos depois do fim da escravidão no Brasil, precisam continuamente se provar mais capazes e melhores no enfrentamento de um racismo persistente, muitas vezes subliminar, velado. O resultado almejado é que a cultura desperte a esperança de um Brasil igualitário.
Uma mulher e um homem, ambos de origem africana, se tornaram temas de exposições no Maranhão e em São Paulo. Em comum, eles ousaram enfrentar, no século XIX, o contexto dos horrores da escravidão por meio do conhecimento e da capacitação de si mesmos. Já no Rio Grande do Sul, o registro em vídeo da vivência contemporânea de servidores e magistrados negros virou documentário e livro para trazer à tona histórias que, ao mesmo tempo, causam orgulho e constrangimento.
É por meio do resgate dos feitos de personagens negros e do registro de relatos de pessoas que lidam no cotidiano com dificuldades típicas de quem é pardo ou preto que instituições do Poder Judiciário promovem o letramento racial, lutam contra o apagamento histórico e buscam a reparação histórica. Isso tudo num esforço para efetivar a integração racial contra o mito de que não há preconceito no Brasil.
Prêmios
O Projeto Percursos e Vivências de Servidores e Magistrados Negros, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), do Rio Grande do Sul, registrou, entre 2020 e 2021, 27 depoimentos. As 120 horas de gravações renderam o livro Negras Memórias: Percursos e Vivências de Negras e Negros no TRT4, de 288 páginas, e também o documentário O Futuro do Mundo é Preto, com 1h17 de duração. A produção resultou em distinção no Prêmio CNJ Memória do Poder Judiciário na edição de 2022.
Um desses relatos evidencia o racismo velado e mostra consequências práticas que vão além da dor que sofre a pessoa sujeita a esse tipo de violência, em geral manifesta dissimuladamente. Na fala gravada, um participante, que integra o quadro do tribunal, destaca que a aprovação no concurso público significou a vantagem da dispensa de entrevistas para vagas de emprego, quando o contratante conhece o candidato pessoalmente – e se dá conta da cor da pele.
No Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), a divulgação em uma exposição dos feitos de uma mulher negra que, há 200 anos, atuou como compositora, escritora, professora e abolicionista fez que escolas incluíssem, no currículo dos estudantes, a história de Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista do Brasil. Isso fez que crianças pedissem ajuda para cumprirem com os deveres da escola aos pais, que desconheciam a importância da personagem.
O conteúdo da exposição em homenagem à memória de um ex-escravizado surpreendeu até mesmo quem atuou efetivamente para levar a mostra adiante, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O coordenador do museu da instituição, um magistrado com 40 anos de carreira, só em 2021 conheceu a história do homem negro que, no século XIX, se tornou o primeiro a ter a autorização da corte para atuar como advogado sem a necessidade de portar diploma, desempenhando a função como um rábula.
“Luiz Gama foi um escravizado que aprendeu assistindo aulas como ouvinte, predestinado por natureza, que rompeu barreiras civilizadamente e se tornou um grande advogado, dedicado à luta pela liberdade, na sua essência”, diz o desembargador do TJSP Octavio Augusto Machado de Barros Filho. “Conhecia a história dele superficialmente, sou de família de advogados e nunca ouvi o meu pai e o meu avô falarem sobre esse personagem fascinante.”
Repetição
Os resultados das três iniciativas de culto e preservação da memória de pessoas negras, não por coincidência, são premiações e, entre os responsáveis, permanece a vontade da repetição e da ampliação, com exploração dos temas de forma mais abrangente. “Se Maria Firmina conseguiu, no contexto em que vivia, tudo que alcançou, isso serve como inspiração, estimula para a disseminação desse exemplo inspirador”, comenta a analista judiciária do TJMA, Joseana Cantanhede, que se dedicou à exposição sobre a romancista.
No TJSP, a ideia é a produção de um podcast sobre a atuação do abolicionista Luiz Gama. Em julho de 2021, uma editora lançou dois volumes que trazem a obra completa do advogado que também atuava como jornalista. O título “Liberdade” reúne conteúdo produzido entre 1880 e 1882, e o livro “Democracia” traz textos que Gama escreveu entre 1866 e 1869. “Esse é um personagem relevante e, em comparação com a sua atuação, ele alcança pouco reconhecimento histórico”, avalia o coordenador do museu do tribunal.
O início de nova administração no TRT-4 abre a perspectiva para a apresentação de novo projeto que continue a trabalhar com a memória de pessoas negras. “A ideia é fazer a segunda e a terceira edição”, anuncia a técnica judiciária Roberta Lina Vieira, que, por duas vezes, integrou o Comitê de Diversidade da corte. “Quanto mais avançamos, mais queremos avançar, porque a comparação com a proporção de negros na população indica que o caminho para a equidade ainda é longo.”
Texto: Luís Cláudio Cicci
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias
The post Em tribunais do país, a cultura difunde e preserva a memória negra appeared first on Portal CNJ.
Outras Notícias
Portal CNJ
No Piauí, Plenário Virtual do 2º grau julga mais de 40 mil processos em 2023
18 de janeiro de 2024
O Plenário Virtual do 2º grau do do Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI) julgou em 2023 40.437 (quarenta mil...
Portal CNJ
Judiciário do Maranhão simplifica gerenciamento de dados de execução penal
18 de janeiro de 2024
Para aprimorar a tramitação processual no meio eletrônico e realizar o gerenciamento completo dos processos...
Portal CNJ
Tribunal Federal mineiro começa a pagar precatórios atrasados e de 2024
18 de janeiro de 2024
A Medida Provisória 1.200/2023 abriu crédito extraordinário no valor de R$ 93.143.160.563,00 para quitação...
Portal CNJ
Comitiva da Justiça do Piauí troca experiências com a Corregedoria de Mato Grosso
18 de janeiro de 2024
Após três dias de troca de experiências a comitiva da Corregedoria Geral da Justiça do Piauí (CGJ-TJPI)...
Anoreg RS
Cartórios podem usufruir de benefícios ao adotar a solução de pagamento de tributos
18 de janeiro de 2024
Empresa de tecnologia financeira para cartórios oferece o serviço para serventias, permitindo o recebimento de...